Eleito governador de Goiás no primeiro turno, em 2018, e reeleito, também no primeiro turno, em 2022, Ronaldo Caiado carrega o legado de uma família cuja história está intrinsecamente ligada ao Estado e sua política
Médico especializado em coluna vertebral (graduou-se e fez mestrado na UFRJ, com especialização na França de Louis Pasteur), Ronaldo Caiado também é produtor rural — tendo sempre defendido as bandeiras do ruralismo — e está presente na política desde o final da década de 1980, quando se candidatou a presidente da República.
Ronaldo Caiado foi deputado federal por cinco mandatos e senador. Em 2024, após conseguir quebrar o velho tabu de que “governador não elege prefeito em Goiânia” — com a vitória de seu candidato, Sandro Mabel —, Ronaldo Caiado, presidente do União Brasil em Goiás, esquenta os motores para se lançar novamente, quase 40 anos depois, à disputa do Palácio do Planalto, ao mesmo tempo em que, usufruindo da alta aprovação (é o governador mais bem avaliado do País, conforme pesquisa AtlasIntel), prepara seu sucessor, o vice-governador Daniel Vilela (MDB), para assumir, em breve, o Palácio das Esmeraldas.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, realizada no Palácio das Esmeraldas, o governador natural de Anápolis elenca feitos de sua gestão, adianta as movimentações para 2026 e tece críticas ao governo federal — que ele considera promover “cortinas de fumaça” para esconder a falta de projeto para a segurança pública, uma de suas principais bandeiras em Goiás e que deve ser levantada também no pleito presidencial.
Um dos repórteres falou sobre o cachorro raça Golden de nome “Balu”, falecido há pouco tempo. Triste, o governador apontou para um porta-retrato, que fica atrás de sua mesa, e mostrou uma fotografia do cachorro. Apreciador de artes plásticas, Ronaldo Caiado despacha num gabinete cercado de quadros de pintores, como Antônio Poteiro.
A redação do Jornal Opção presenteou Ronaldo Caiado com o livro “Catorze Camelos Para o Ceará — A História da Primeira Expedição Científica Brasileira”, do jornalista Delmo Moreira. Ele pegou o exemplar, deu uma olhada, achou curioso e disse: “Vou ler”.
Jornalistas de todo o país ligam para Ronaldo Caiado o tempo inteiro. Por quê? Porque se tornou uma alternativa real tanto ao PT do presidente Lula da Silva quanto ao PL do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele pertence à direita moderna, racional, científica e civilizada.
Entrevista:
Ton Paulo – O sr. tem um projeto em curso para 2026, que é o de se candidatar ao Palácio do Planalto, e tem se movimentado para isso. Quais as próximas etapas prioritárias na construção desse projeto?
Não se não constrói a política em pouco tempo. Tenho trabalhado, viajado, me colocado como pré-candidato, porque sei o que preciso fazer. Estou reavivando a memória daqueles que me conheceram e me acompanharam no Congresso Nacional. Também me apresento a outros segmentos que não me conheceram à época, desde meus movimentos ruralistas e meus 24 anos no Congresso. Nacional. Então, é um processo de longo prazo.
O que me deixa otimista é a receptividade em todos os Estados. Os debates dos quais participo, nas várias regiões do país, estão empolgando as pessoas. Por isso o que eu digo tem reverberado em jornais de todo o país.
Ton Paulo — A eleição de 2024, com sua base tendo sido amplamente vitoriosa, é um divisor de águas.
A eleição de 2024, não só em Goiás, e sim em todo o país, foi de fato um divisor de águas. Os eleitores, mais do que nunca, disseram que valorizam a gestão, ou seja, a gestão eficiente e preocupada, acima de tudo, com o interesse público. Os brasileiros — os goianos incluídos — valorizam os resultados, e não discursos sem consistência de homens de palha ou ocos. Os eleitores analisaram as propostas com atenção. Ao mesmo tempo, observaram as pessoas, a história delas, sobretudo o que que fizeram. Não se prenderam em números vagos e marqueteiros.
Italo Wolff — O sr. está aceitando participar de todos os debates?
Aceito todos os convites, em respeito aos brasileiros. Aquilo que meu governo fez em Goiás, criando mais segurança e produzindo crescimento e desenvolvimento, influencia cidadãos de todo o Brasil. Não se trata de teoria, de achismo. Apresento dados concretos, avaliações de órgãos independentes. Os brasileiros sabem, cada vez mais, que Goiás é o Estado mais bem avaliado do país. A educação é bem avaliada, e é o Ideb que prova isto. A segurança é muito bem avaliada. Cidadãos de todo o país de repente perceberam que o crime organizado pode ser contido.
“Os brasileiros sabem, cada vez mais, que Goiás é o Estado mais bem avaliado do país”
Euler de França Belém — Goiás recebeu o selo diamante da Atricon?
Goiás recebeu o selo diamante. Trata-se do único Estado do país que vai ter o título de ter atingido nota 100 pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).
Patrícia Moraes — Qual é o significado real disto?
Significa que Goiás é o Estado que obteve nota 100 em transparência no que arrecada, no que gasta, no que se propõe a incentivar. É algo inédito. Nenhum outro Estado atingiu nota 100. Somos o primeiro.
Ton Paulo — E os demais avanços?
Os serviços públicos, digitalizados, melhoraram de maneira exponencial. Quem competia conosco era o Rio de Janeiro. Pois nós o passamos. Estávamos em 25º lugar, quando assumi o governo, em 2019, em termos de classificação de distribuição de serviços digitais à população. Hoje, estamos em primeiro lugar.
Italo Wolff — Na área do centro de excelência, de inteligência artificial, o que há a dizer?
Na área de centro de excelência, de inteligência artificial, o Hub Goiás tem sido uma referência na busca estagiários. Só agora nós temos lá mais de 120 startups sendo desenvolvidas, uma delas ligada à capacidade de prever maiores quadros de epidemias de dengue. Com 10 dias de antecedência já é muito bem mapeado, o que dá um espaço para o gestor poder tomar medidas mais assertivas.
Patrícia Moraes — Como é o programa Olhar Para Todos?
O Olhar para Todos é um programa público de saúde oftalmológica que leva profissionais e equipamentos de ponta a todas as escolas públicas estaduais para realização de exames e, se necessário, oferta de óculos ou encaminhamento cirúrgico. A ação é gratuita e deve atender mais de 495 mil estudantes nos próximos 18 meses. Não se trata de fazer simplesmente exame de vista. Se tem uma lesão ou um glaucoma, ou amanhã qualquer má formação congênita, o paciente já estará regulado no Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof) da UFG. Terá um prontuário digital. Então, quando procurar atendimento, ele já estará regulado.
Italo Wolff — O que era o turno da fome na área de educação?
De fato, havia o chamado turno da fome na área de educação. Em todos os municípios do Entorno de Brasília tinha o turno da fome — era aquele que não tinha grade curricular completa e, como tal, não recebia nem a merenda. Era no máximo um arroz-doce duro. E os colégios de placas estão demolidos e substituídos por estruturas de alvenaria.
Euler de França Belém — O Estado também fornece ampla estrutura para os alunos nas escolas, não é?
Nosso governo não pede nenhum centavo para as famílias. Só pede que matriculem e levem os filhos para as escolas. É o pedimos aos pais. Damos o uniforme, o material didático. O nível da educação melhorou muito. Há laboratórios de física, química e biologia, informática e robótica. E há opções: o ensino regular, o ensino em tempo integral e o ensino em escola militar. É dada uma alternativa de alimentação correta, de um ambiente próprio, no qual os alunos se sentem respeitados nas escolas.
“A agropecuária é o Vale do Silício de Goiás”
Ton Paulo — E quanto à questão da saúde?
O governo está interiorizando a saúde. O Instituto Mauro Borges está levantando o material para divulgar. Há o que chamo de “mortes evitáveis”. Como São Domingos não tinha UTI, era preciso buscar assistência em Goiânia, Anápolis e Aparecida de Goiânia. O mesmo ocorria com Santa Rita do Araguaia e São Miguel do Araguaia, no Vale do Araguaia. Então, fizemos o seguinte: colocamos atendimento em Itumbiara, Luziânia, Formosa, Águas Lindas Uruaçu, Trindade, São Luís de Montes Belos. Tudo com medida e alta complexidades. Está tudo funcionando. Em Goiás há o Hospital da Criança e do Adolescente, que funciona e muito bem. Além do Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás (Cora), que estará funcionando em breve.
Euler de França Belém — Como está o Cora?
Estive no show do cantor Gustavvo Lima e ele vai doar mais 2 milhões de reais para a construção da parte da Casa do Cora. As crianças que têm câncer são operadas, mas não voltam para suas casas. Ficarão no que vai ser a Casa do McDonald’s e a Casa dos Artistas. Não é uma única casa, são dezenas. O paciente ficará nelas.
Patrícia Moraes — Pode-se dizer que o seu governo patrocina uma mudança estrutural em Goiás, garantindo o desenvolvimento global do Estado.
O complexo de ações do governo está mudando o conceito das pessoas que vivem em Goiás. A educação é vista de maneira integral. Nós cuidamos da educação — proporcionando um ensino de qualidade — e das pessoas. Os avanços são imensos.
Italo Wolff — Procede que, quando o sr. assumiu o governo, 56% dos alunos do segundo ano do ensino fundamental eram analfabetos ou semianalfabetos?
Por incrível que pareça, o quadro era este. Os alunos não sabiam ler nem escrever e não sabiam interpretar. Hoje, com três anos do AlfaMais — programa de formação de gestores e professores da Educação Infantil —, Goiás já está disputando o primeiro lugar em termos de alfabetização na idade certa no Brasil. Estou animado. O que me empolga é ver o quanto as crianças estão voltando aos olhos para a educação e estão passando a ler, a estudar, a se interessar.
Ton Paulo — Voltando à questão da inteligência artificial…
[Interrompendo] É o quinto ano em que estamos com mais uma etapa do Campus Party em Goiás. Nosso foco em inteligência artificial é cada vez maior. Buscamos a inovação para melhorar a vida e a história da meninada. Goiás poderá se tornar o Estado com o maior número de startups, plataformas desenvolvidas para mostrar nossa capacidade.
Italo Wolff — Em que o sr. está realmente pensando?
Os Estados Unidos têm o Vale do Silício, na Califórnia. Goiás tem outro tipo de Vale do Silício, tão importante quanto o americano. O Brasil é o maior produtor de alimentos para o mundo, quer dizer, trata-se de um país globalmente indispensável. Portanto, somos o Vale do Silício da alimentação do mundo. Ninguém consegue produzir como nós. Estamos avançando na inovação da agropecuária. Nossa produtividade não será superada por nenhum outro país.
Euler de França Belém — A produção agropecuária está tecnologicamente muito avançada?
A produção de soja em Goiás é uma das avançadas do país. Antes falava-se tão-somente do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Hoje a produção de soja do nosso Estado supera a do Paraná. E, frise-se, com temperaturas altas — de até 44 graus —, no Cerrado, no Vale do Araguaia. Então, insisto: há um Vale do Silício, em termos de avanço tecnológico, portanto de qualidade, em Goiás. O nosso Vale do Silício alimenta os brasileiros — mais de 210 milhões de pessoas — e mundo afora cerca de 1 bilhão de cidadãos. As técnicas de produção são tão modernas que já colaboram para a preservação dos biomas.
Patrícia Moraes — O sr. pode citar exemplos de modernização tecnológica no campo?
A Raizen instalou a primeira indústria de etanol segunda geração (E2G) em Jataí, no Sudoeste de Goiás. É a primeira fora de Goiás. Só havia em São Paulo. Não há limite para a venda do produto. Os europeus estão na fila para comprar. Porque é daí que irá sair o combustível de avaliação, que é o SAF (Combustível sustentável de aviação).
Ton Paulo — Como avalia a questão da transição energética?
Quando se fala em transição energética há quem diga: “Ah, é o chinês com carro elétrico”. Mas isso aí só vai funcionar com o etanol. O etanol estará em tudo, ou em quase tudo. Se amanhã se caminhar para o hidrogênio, terá de ser via a molécula do etanol. Se for para o híbrido, terá de buscar o suporte do etanol. Ademais, o produto não é poluente. Trata-se de uma fonte de energia renovável — o que o petróleo não é — e 100% brasileiro.
Italo Wolff — O governo federal não lidera a transição energética?
Falta capacidade ao governo federal para assumir a liderança energética do Brasil. Dizem: “O Brasil gastou mais defensivos”. Ora, nós produzimos três safras e o mundo só dá conta de produzir uma. O defensivo que os produtores de outros países gastam para produzir uma safra é o equivalente ao que gastamos para produzir três safras. Os dados estão aí.
Governador diz que transição com Daniel Vilela já começou:
Ton Paulo — São duas as vagas para o Senado na disputa de 2026. A primeira-dama Gracinha Caiado está praticamente definida como candidata. O sr. será candidato a presidente da República. Como examina o quadro?
Sou muito respeitoso e litúrgico. No momento, já estou fazendo a transição do governo com o vice-governador Daniel Vilela. Ele está ciente e participando das ações do governo, dos projetos encaminhados à Assembleia Legislativa. Porque vai receber a transição de um governo que imprimiu um ritmo forte e ele dará continuidade ao que está sendo feito. Noutras palavras, não vou tomar nenhuma medida populista para criar dificuldades para o governo de Daniel. Portanto, insisto, a transição já está sendo feita. Ele senta-se comigo e com os secretários com frequência. Discutimos sobre arrecadação e despesas. Falamos sobre o teto, a respeito do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Italo Wolff — Como fica a questão da chapa majoritária para 2026?
Vou respeitar aquele que vai assumir o governo. Ou seja, Daniel Vilela, como candidato a governador, irá construir a chapa majoritária. A chapa não será estabelecida por Ronaldo Caiado. A chapa de 2026 já está sendo constituída por Daniel Vilela. Ele tem a mesma liberdade que eu tive em 2018 e 2022.
Patrícia Moraes — Como foi a construção da chapa em 2022?
Ninguém acreditava quando escolhi Daniel Vilela para a vice. Foi com ano de antecedência. Todo mundo blefava sugerindo que eu não chegaria ao fim do ano com Daniel na vice. Frisavam que ele não seria vice. Ele foi eleito na vice e, em 2026, assumirá o governo e será candidato a governador. A escolha dele foi pessoal e, claro, política.
Euler de França Belém — O sr. avalia que difícil a montagem de uma chapa?
Sei, por experiência própria, que não é fácil. Várias vezes tive de ceder em candidaturas para deputado para não penalizar um partido ou outro. Então, não posso dizer ao Daniel: “Os nomes da chapa são A, B, C, D”. Não é assim, não tem sentido. Quem vai articular o processo político-eleitoral em 2026 será Daniel. Ele terá a prerrogativa de construir e ampliar a aliança e, daí, montar a chapa.
Ton Paulo — Mas como estão as conversas nesse sentido? Já há nomes cotados para a chapa majoritária?
É preciso manter a nossa base política, e com paz. Opero o processo no sentido de que prefeitos e deputados estaduais e federais sejam atendidos, de maneira republicana. Eles representam a nossa estrutura política. Em termos políticos, não há como apresentar uma chapa para 2026 já pronta em 2024. A decisão ficará para agosto de 2026, depois de debate na estrutura interna da base.
Patrícia Moraes — Em termos políticos, qual é preocupação no momento?
Continuar com uma base ampla e coesa. União Brasil, MDB, Republicanos, Solidariedade, Avante e pP representam uma base forte. O PDT não estava na nossa base mas me apoiou na disputa eleitoral de 2022. Daniel Vilela terá esta base na sua campanha em 2026. É uma base sólida, com estruturas em todo o Estado.
Patrícia Moraes — Como o sr. decidiu pelo nome do empresário Sandro Mabel para disputar a Prefeitura de Goiânia?
O governador, como líder, tem suas noites indormidas, pensando tanto na gestão quanto no processo políticos. É preciso ouvir todos antes de chegar a uma conclusão. A consultora de pesquisa e opinião Valéria Torres insistiu comigo de que o candidato a prefeito de Goiânia deveria ser um gestor. Dizia: “Gestão, gestão, gestão”. As pesquisas qualitativas sugeriam isto. É preciso ter humildade e ouvir as pessoas — dos técnicos do marketing aos políticos. Sandro Mabel é gestor e, por isso, foi eleito prefeito da capital. Os eleitores queriam alguém com o seu perfil.
Gosto de participar e darei minha contribuição, mas não posso engessar Daniel Vilela do ponto de vista das escolhas. Estas são pessoais:
Ton Paulo — O sr. está enfatizando que, assim como escolheu Sandro Mabel, Daniel Vilela terá o direito de montar a chapa majoritária?
Daniel Vilela terá liberdade para fazer sua análise do quadro político. Claro que, se quiser, poderá discutir o assunto comigo. Gosto de participar e darei minha contribuição, mas não para engessá-lo do ponto de vista das escolhas. Estas são pessoais.
Patrícia Machado – Voltando à sua pré-candidatura à Presidência da República. O União Brasil tem três ministros no governo de Lula da Silva, então como o sr. fará para apresentar um discurso de oposição ao governo do petista?
O Democratas (nome anterior do União Brasil) também participou do governo, mas, na eleição, se posicionou contra. As questões de cada Estado às vezes fomentam alianças no Congresso, ou seja, em apoio ao governo federal. Mas o União Brasil é um partido independente e terá candidato a presidente da República.
Os ministros do União Brasil que estão no governo de Lula da Silva são de Estados onde o petista foi amplamente vitorioso. Mas uma coisa é a decisão sobre a eleição de 2026, outra coisa é o dia a dia do Parlamento, quer dizer, as ações do deputado e do senador. São coisas distintas. Frise-se que, nas votações polêmicas, o governo de Lula da Silva não teve voto nenhum do União Brasil. Mais de 80% dos líderes do partido querem uma candidatura própria à Presidência e não vão caminhar com o PT.
Patrícia Machado — O PL sublinha que é o único partido que realmente faz oposição ao governo do PT.
Para ganhar eleição, que é difícil, é preciso fazer política. Para governar é preciso entender o sistema em que se vive. Pode-se querer o ideal, o próximo do perfeito. Mas não há como exigir perfeição. Aprendi cedo na Câmara dos Deputados: eu era 513-avos. Fui 81-avos como senador. O cidadão que chega ao governo e acha que é 100% não governa. É preciso saber ceder, tem de saber articular, de saber construir a maioria. É preciso entender as peculiaridades locais. Ouço por aí: “Ah, a minha família é UDN, a outra é do PSD”. Estamos em 2024 e o cidadão ainda fica falando de UDN e de PSD até hoje. Mas é preciso respeitar o pensamento alheio.
Ton Paulo — Qual será o papel de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo no projeto do sr? Ainda há chance de aliança? Porque o sr. e Bolsonaro ficaram de lados opostos em 2024.
Nunca tive o apoio de Bolsonaro em nenhuma de minhas campanhas, mas sempre o apoiei. Na primeira campanha dele para presidente, em 2018, fui eleito governador no primeiro turno e o apoiei no primeiro e no segundo turno. Fui para a reeleição, em 2022, e venci no primeiro turno. Apoiei Bolsonaro no segundo turno. Depois, ele esteve comigo umas três ou quatro vezes. Falamos sobre construir um acordo em Goiás. Infelizmente, o PL resolveu lançar candidato [em Goiânia] sem ouvir ninguém e com chapas fechadas.
Euler de França Belém — Na campanha, tanto em Goiânia quanto em Aparecida, o PL o tratou duramente.
Sim, o PL fez uma campanha nos tratando como adversário. Seu jogo eleitoral foi muito pesado. O partido trouxe estrutura de fora para nos atacar. Várias pessoas — Paulo Guedes, Nikolas Ferreira, Damares Alves e Bolsonaro — deram “palestras” em Goiânia. Bolsonaro esteve três vezes na capital. Enfim, sou um homem da política e, por isso, estarei sempre aberto ao diálogo. Nunca fiz nenhuma descortesia, nunca fui deselegante com ninguém. Então, se Bolsonaro quiser conversar, não oponho nenhuma dificuldade. A história de que quem conversa com um deputado ou um senador do PT vira comunista é de um primarismo atroz. No Parlamento, por exemplo, é preciso dialogar com todo mundo. Ganha quem tem melhor capacidade de argumentar. No Congresso, durante muito tempo, eu era o único que tinha coragem de defender o produtor rural, seu direito à propriedade, a economia de mercado, a livre iniciativa. De repente, Ronaldo Caiado virou comunista? Não há bobagem maior.
Patrícia Machado — A Polícia Federal concluiu que o ex-presidente Bolsonaro planejou e atuou no plano de golpe. Como o sr. avalia isto?
Se realmente tiver planejado e atuado, é grave.
Ton Paulo — O sr. avalia que Bolsonaro pode ser preso?
Sabe, Ton, tenho uma certa dificuldade com “achismos”. As investigações mostram um quadro grave e o processo será julgado no foro máximo da Justiça, o Supremo Tribunal Federal. Não temos as informações completas que a Polícia Federal e o STF têm. De qualquer maneira, é preciso concluir as investigações, com oitivas dos suspeitos ou acusados, e esperar os julgamentos. O que for decidido pela Corte Suprema deve ser acatado. É assim que funciona a democracia.
Euler de França Belém — Como avalia a questão do golpismo?
Na democracia ganha-se e perde-se. Jamais se deve tentar conquistar o poder por intermédio de um golpe de Estado. O golpismo é uma coisa superada, que deve ser repudiada. A vontade do povo precisa ser respeitada. Se o político quer ganhar uma eleição, então que faça uma campanha eficiente.
Italo Wolff — E se for comprovada a tentativa de golpe? As evidências são muito fortes.
Se comprovada, vai ser uma decepção muito grande. Cria-se uma imagem ruim para o país. É hora de os políticos insistirem num ponto: vamos ter eleições em 2026. Se querem tirar Lula da Silva do poder, que nos organizemos; sobretudo precisamos convencer os eleitores de que temos um projeto melhor de nação. Enfim, é preciso dizer a sociedade: todos têm de respeitar as regras. Há um sentimento forte na sociedade pela legalidade.
Acho que temos de ser eficientes na campanha. O que a população deliberar tem de ser cumprido, e ponto final. O papel de quem perde uma eleição é apenas pensar em como ganhar a próxima eleição.
Se a participação de Bolsonaro na trama do golpe realmente for comprovada, será uma decepção muito grande. Acho que isso cria uma imagem ruim para o país. Nesta hora, mais do que nunca, cabe à classe política mostrar que quer respeitar as regras nas eleições de 2026.
6.
Italo Wolff – Como representante da direita moderada, é uma oportunidade de, ao repreender esses planos, se apresentar como alternativa para 2026?
O espaço existe. Isso não quer dizer que teremos 22 candidaturas como tivemos em 1989, após o período do regime militar, quando todos nós queríamos ser candidatos — de Ulisses Guimarães até eu, que era o mais novo. Agora, também, existe um processo totalmente aberto, e acho que podem surgir vários candidatos no primeiro turno. Eu acho muito difícil construir uma unidade já no primeiro turno. Mas pode ser que aconteça, não é? Mais provavelmente, acredito que o cenário permitirá que muita gente se posicione de agora até outubro de 2026.
Patrícia Machado — Houve um período de sua história quando o senhor era visto como um radical. Hoje, está assumindo a posição do moderado, como um dos protagonistas da direita equilibrada. Acredita que manteve coerência política ou se tornou mais comedido com o tempo?
Eu não mudei minhas posições; a história registra o que eu sempre pensei em minha vida. Hoje, o Brasil é o maior celeiro produtivo do mundo, e vemos que não é o Estado que determina o crescimento do país, é a livre iniciativa. Eu já acreditava nisso naquela época — isso hoje passou a ser moderno e eu passei a ser moderado.
Antigamente, quando era moderno pensar que o Estado era dono e tinha de prover tudo, eu era “antiquado”. Quando eu não acreditava na estatização das terras, ouvia que era “truculento” por supostamente ser contra a reforma agrária. Eu não sou contra a reforma agrária; sou contra instrumentalizar a boa fé das pessoas. Eu convido: visitem o Vão do Paraná. Lá, havia milhares de pessoas assentadas em condição de miséria porque não tinham a vocação ou condições de passar pelo processo que passaram.
Agora, em parceria com o governo de Israel, estamos instalando irrigação, e eles estão produzindo maracujá, manga e outras frutas. Estão tendo renda, comercialização. Estamos fazendo estradas, montando postos de saúde, levando eletrificação para a região, que nem eletrificação tinha. Era a isso que eu me referia já naquela época.
Hoje, o Goiás Social está fazendo programas de emancipação daquelas pessoas, cada uma com a sua vocação. Damos a estrutura para que elas possam começar suas atividades. Isso é fazer o Estado se desenvolver. Agora, jogar a pessoa lá, sem estradas, energia, saúde — isso não é justiça social. Apenas na última rodovia que construímos até os assentamentos, fizemos 25 pontes. Só em uma rodovia, de Formosa até Alto Paraíso, eram 25 pontos em que não se transitava no período da chuva.
Patrícia Machado – Qual a expectativa para a aprovação do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag)?
Conversei sobre isso neste final de semana com outros governadores. Temos muita esperança de que Arthur Lira (PP-AL) coloque a matéria em votação o mais rápido possível. A importância da matéria é a seguinte: um estado como Goiás está se recuperando bem, está acima daquilo que o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) propôs, mas isso de nada adianta mesmo com um caixa de R$ 15 bilhões, pois o estado não pode investir em infraestrutura porque o teto do RRF não permite.
A matéria do Propag não pede para que estados gastem exorbitantemente, não. Ela apenas diz: “Vamos ter um patamar um pouco mais flexível”. Vamos considerar que, quando eu gasto acima dos 12% do orçamento em saúde ou acima dos 25% obrigatórios em educação, isso não pode ser considerado rompimento do teto.
Se eu gasto em saúde e educação, já estou gastando grande parte de meu orçamento. Agora, se esse valor extrapola, já estou comprometendo o meu teto de gastos. Estou proibido de fazer investimentos em uma rodovia, mesmo tendo caixa, pois tenho o teto. O que nós estamos buscando é que haja uma flexibilização do teto para não paralisarmos o Estado.
Patrícia Machado — Mas a perspectiva é boa?
Depois da última semana, fiquei muito mais otimista. Até a semana passada, eu achava difícil que a matéria fosse votada, mas agora eu senti que há vontade de votar o Propag. Tive uma conversa com vários governadores e acho que nós demos conta de sensibilizar o Arthur Lira a pautar a matéria. Como o Rodrigo Pacheco (PSD) é o autor do projeto, existe o interesse do presidente de uma Casa do Legislativo dar andamento o mais rápido possível à matéria também no Senado, para ser sancionada sem vetos.
Patrícia Machado — Qual é a consequência imediata para Goiás com o Propag aprovado?
Vou inverter a pergunta: se o Propag não for aprovado, terei de fazer um corte de empenho de mais de R$ 770 milhões, e os outros poderes também. O Tribunal de Justiça terá de fazer cortes, bem como o Ministério Público e a Assembleia.
Ton Paulo – Por que Salvador foi o lugar escolhido para o lançamento de sua pré-candidatura?
O prefeito de Salvador, Bruno Reis (UB), quando era deputado estadual, me deu o título de cidadão baiano, mas eu não pude estar lá para receber. Agora, quando ele foi reeleito, nos encontramos e ele disse: “Vou fazer um grande evento para lhe entregar o título, porque no meu mandato todo como deputado eu só dei um título de cidadão baiano que foi o seu, e também eu vou fazer esse pré-lançamento de sua candidatura aqui na nossa capital”.
“O governo Lula da Silva (PT) nunca pautou matéria de relevância em segurança pública”
Patrícia Machado — Em um encontro entre governadores e o presidente Lula sobre segurança pública, o senhor falou da emergência da crise que o Brasil vive com o crime organizado. Como avalia a posição do presidente no tema?
Ele nunca tratou da segurança pública. Em dois anos, vivemos um quadro grave, com o colapso do sistema de segurança e uma agressão sem limite às pessoas. Após dois anos, já sabemos que ele não tem mais nada a apresentar. O que ele fez com o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi uma cortina de fumaça: criou algo que sabia que seria rejeitado, e então afirmou que queria solucionar o problema mas foi proibido pelos Estados.
Na prática, eu pagaria a conta, ele daria a ordem, invadindo a prerrogativa de Goiás (como já invadiu com a reforma tributária). O Susp seria parte do processo de concentração de poder em Brasília. Nos estados, todos conhecem suas prerrogativas como entes federados, ninguém diria “amém” a uma proposta que não tem nada de segurança pública, apenas diz respeito à concentração de poder.
O governo federal nunca esteve impedido de exercer a sua função de polícia — ele já tem a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, e se ele quiser criar mais outras, ele cria. Por que então não vai para a Amazônia? Não é por falta de poder. Alegar isso é simplesmente querer criar um pretexto. O governo nunca pautou matéria de relevância em segurança pública, e a mídia que embarca insiste em se desviar do centro do problema.
Ricardo Lima / Fonte: “Jornal Opção”