Por se tratar de um tema polêmico, é sabido que, provavelmente, algum ministro deva pedir vistas. Como Rosa Weber não é ingênua, ela entenderia que os julgamentos não devam ser concluídos antes de sua saída do STF. Até porque, a discussão não estaria totalmente amadurecida nos corredores da Suprema Corte. Uma ala de ministro discordaria da judicialização do debate do aborto e, como Pôncio Pilatos, teriam a tendência de lavar as mãos e “devolver” ao Congresso Nacional a decisão sobre o tema.
No entanto, a presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Fabíola Ariadne, confirmou que tanto é possível que o judiciário delibere sobre a questão, que apesar da proposta datar de 2017, ela ainda não entrou em pauta no plenário. “É uma questão delicada, sobretudo porque envolve as noções de ética, moral e religiosidade da sociedade e o ordenamento jurídico”, explicou.
A advogada, inclusive, lembra que o STF já julgou outra ADPF envolvendo a temática do aborto, mais especificamente sobre a possibilidade do procedimento em caso de fetos anencéfalo. E, de fato, o aborto já é legalizado no Brasil, mas apenas em três circunstâncias: quando a gravidez oferece risco à vida da gestante, quando a mulher engravida após uma violência sexual, ou, conforme já dito logo acima, se houver uma gestação com anencefalia fetal.
O Código Penal brasileiro criminaliza o aborto em três artigos: quando provocado pela gestante ou com seu consentimento (artigo 124); quando provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante (artigo 125); ou, provocado por terceiro com o consentimento da gestante (artigo 126).
Além disso, a legislação dispõe sobre a forma qualificada do delito que, de acordo com o artigo 127, se configura quando, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave ou lhe sobrevém a morte. Nesses casos, as penas cominadas são aumentadas de um terço (em caso de lesão corporal) ou duplicadas (em caso de morte).
Descriminalização do aborto é um pedido do Psol:
O Partido Socialismo e Liberdade (Psol) propôs a ADFP 442 após tomar conhecimento do caso de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, de 27 anos. Ela desapareceu em 26 de agosto de 2014 depois de realizar um aborto ilegal no quarto mês de gravidez. O procedimento foi realizado em uma clínica clandestina do Rio de Janeiro e ela morreu após passar pela cirurgia. O corpo de Jandira só foi encontrado no dia seguinte, mutilado e carbonizado, dentro de um carro. Para comprovar sua identidade, foi necessário fazer um exame de DNA.
Neste caso específico, dez pessoas foram indiciadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, inclusive o ex-marido da vítima, Leandro Brito Reis, pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, fraude processual, destruição e ocultação de cadáver, formação de quadrilha e aborto. Foram presos: Rosemere Aparecida Ferreira, apontada pela polícia como a chefe do grupo; o falso médico responsável pelo aborto, Carlos Augusto Graça de Oliveira; e Luciano Luis Gouvêa Pacheco, suspeito de coordenar o plano para ocultar o corpo da grávida.
Rosa Weber é a relatora da ADFP 442, desde março de 2017. A ação foi proposta pelo Psol, que defende a descriminalização da interrupção da gravidez com consentimento da gestante nos três primeiros meses da gestão. Em 2018, o STF chegou a convocar instituições contra e a favor do aborto para debater o assunto. De lá pra cá, seis anos se passaram e só agora há a possibilidade real do assunto ser colocado em pauta.
A presidente estadual do Psol em Goiás, Manu Jacob, explica que, apesar não ser uma posição pessoal, ela segue a posição de seu partido e explica o porquê: “É uma situação que acomete as mulheres pobres, em situação de vulnerabilidade, e as mulheres negras. Quando elas buscam esse tipo de situação, elas morrem”.
Segundo Manu, o aborto já existe no Brasil de forma legalizada. Mas fora as circunstâncias autorizadas em lei, algumas mulheres recorrem ao serviço clandestino e ilegal. E quando isso acontece, se a mulher tiver dinheiro, pode procurar fazê-lo em locais que possuem estruturas mais apropriadas. “O aborto já acontece fora da legalidade e quem morre são as mulheres negras e pobres”, argumentou.
Além disso, a presidente do Psol em Goiás lembra que, mesmo a legislação permitindo o aborto em certos casos, há episódios em que o Poder Judiciário não permite a realização do procedimento. “Principalmente em caso de violência sexual contra crianças. A primeira coisa que precisa ser feita, é que a legislação seja garantida nesses três casos já autorizados por lei”, destacou.
Para Manu, simplesmente se opor ao aborto não é o melhor caminho. Para ela, é preciso que se fortaleçam no país políticas públicas que trabalhem a prevenção, como forma de conscientização. “Não apenas por causa da gravidez indesejada, mas também as Infecções Sexualmente Transmissíveis”, comentou.
CNBB faz campanha contra a legalização do aborto nas igrejas:
Em carta enviada no dia 8 de agosto ao episcopado brasileiro, lideranças da Pastoral Familiar e equipes da liturgia, a Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB pediu que em todas as missas do segundo domingo de agosto fosse feita “uma prece em favor da vida de milhares de pequeninos inocentes”. A solicitação orientava ainda que esse tema fosse levantado ainda antes da benção final, seguido pela Oração do Nascituro.
E assim foi feito. Aqui em Goiânia, quem participou da missa das 10 horas na Igreja Nossa Senhora da Rosa Mística, no Setor Bueno, ouviu o padre ler a seguinte mensagem: “Os deputados, representantes do povo, disseram não ao aborto, porém há uma força muito forte para que o STF paute este assunto para descriminalizar o aborto. Rezemos por aqueles que têm a missão de promover e defender a vida, para que não se deixem intimidar pelo poder da morte e por ideologias de exploração dos mais vulneráveis. Rezemos ao senhor”.
A prece foi seguida pela Oração do Nascituro, sugerida pela comissão da CNBB, que diz, entre outras coisas: “Abençoai todos que zelam pela vida humana e a promovem. Abençoai as gestantes e todos os profissionais da saúde”. Em coro, os fiéis era convidados a se unir e rezar para que a possibilidade de legalização do aborto não se concretize no Brasil.
Na carta enviada ao episcopado, consta ainda a justificativa para essa ação contrária à ADFP 442. “Em fidelidade ao Evangelho, cabe-nos defender a vida humana, opondo-se a toda discriminação e preconceito, em especial dos mais fortes sobre os mais fracos, dos maiores sobre os menores, dos grandes sobre os pequenos. Não o fazer é associar-se à cultura de morte, que tudo relativiza e mercantiliza, inclusive a vida humana inocente. Somos do Evangelho da vida e da vida em abundância, desde a concepção até à morte natural”, afirma o documento.
Além disso, a carta sugere que todas as paróquias criem, se possível, um Comissão de Serviço à Vida, “para que lá onde a vida humana, em qualquer fase do seu desenvolvimento, desde a concepção até a velhice, estiver ameaçada ou aviltada, possamos articuladamente promovê-la, defendê-la e cuidá-la”. Afinal, segundo o documento, “muitas são as investidas contra a vida dos mais vulneráveis” e “estamos em uma situação que requer muita atenção e oração”.
A presidente estadual do Psol considera justo a Igreja fazer uma campanha de acordo com sua doutrina. No entanto, para ela, o Estado não pode sofrer qualquer tipo de pressão sobre essa questão. “O Estado é laico e isso precisa ser garantido. Independente do que a religião acha, o Estado tem que governar para todos e todas. Temos vários exemplos na História que não deram certo de quando a religião interferiu nas decisões do Estado”, pontuou.
Ricardo Lima / Fonte: Edson Leite Júnior – Jornal “Opção”