A cidade de Silvânia, em Goiás, está na linha de frente do enfrentamento aos impactos provocados pelo javali (Sus scrofa), espécie exótica invasora que ameaça ecossistemas, lavouras e até a saúde pública. Após cinco anos de execução do primeiro Plano de Controle, instituído pela Portaria Municipal nº 174 de 2019, o município concluiu em 2024 a avaliação do ciclo inicial com 72% das ações implementadas — um marco significativo na gestão ambiental local.
Neste ano, novas ações já foram implementadas, tendo em vista o aperfeiçoamento do manejo e controle do javali no município. Ao Jornal Opção, Renato Miranda, gestor da Floresta Nacional de Silvânia, informou que um novo tipo de armadilha de captura, confeccionada em rede de nylon poliamida, foi adquirida pelo ICMBio e está sendo utilizada nas ações de manejo, tendo em vista uma maior efetividade no controle das populações de javalis e o bem estar animal.
Impactos alarmantes
O javali, que se reproduz rapidamente e não possui predadores naturais no Brasil, causa uma série de prejuízos:
- Predação de ovos, filhotes e adultos da fauna nativa
- Competição por alimento e território com espécies silvestres
- Dispersão de espécies exóticas invasoras, como gramíneas africanas
- Degradação do solo e vegetação nativa
- Assoreamento de nascentes e cursos d’água
- Transmissão de doenças zoonóticas
- Danos severos à agricultura e pecuária
Plano de Controle: resultados e avanços:
O primeiro ciclo do plano contou com 30 ações distribuídas em quatro objetivos específicos, fruto de uma articulação entre diversas instituições, com destaque para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio da Floresta Nacional de Silvânia.
Em novembro de 2024, o ICMBio promoveu uma oficina para a elaboração do 2º Ciclo do Plano Específico de Prevenção, Erradicação, Controle e Monitoramento do Javali, reunindo 14 instituições públicas e representantes da sociedade civil organizada. O novo documento, também estruturado em quatro objetivos, prevê 24 ações estratégicas e está em fase final de revisão para publicação.
Silvânia como referência nacional:
Segundo nota oficial do ICMBio, a iniciativa coloca Silvânia como exemplo de gestão ambiental integrada, alinhada ao Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali. A cidade demonstra que, com planejamento e cooperação, é possível enfrentar os desafios impostos por espécies invasoras e garantir a conservação dos ecossistemas.
Gourmet e violento: como javali chegou ao Brasil e virou o temido javaporco:
Ele é nativo da Europa e da Ásia, mas encontrou nas áreas agrícolas do Brasil um hábitat ideal: o paraíso do milho, da soja, do trigo e do feijão.
O javali e sua subespécie local, o javaporco, viraram um enorme problema sanitário e estão provocando a fúria de quem vive nas cidades do interior do país.
“O que impressiona é ver o estrago que os javalis estão causando. Parece que passou um trator e que alguém vai plantar alguma coisa. Quando os javalis fuçam e reviram o solo, espécies somem”.
Michele de Sá Dechoum, do Laboratório de Ecologia de Invasões Biológicas, Manejo e Conservação da UFSC
Tudo começou quando pecuaristas argentinos e uruguaios resolveram investir na caça do animal e no mercado de carnes exóticas, a partir dos anos 1990.
O objetivo era ter um bicho “gourmet”, um “porco de sangue azul” de 150 quilos que traria mais lucro — um cateto, porco-do-mato brasileiro, por exemplo, pesa cerca de 30 quilos.
Quando o mercado rejeitou o gosto da carne de javali e o manejo do animal agressivo ficou difícil, eles foram soltos na natureza. Muitos fugiram, cruzaram fronteiras e passaram a atacar ninhadas e a estragar drasticamente a mata.
A multiplicação foi rápida, pois ele só tem um predador natural — onças, que estão em extinção —, explica Felipe Pedrosa, especialista em ecologia e biodiversidade.
Na natureza ou nos criadouros da região Sul, os javalis cruzaram então com o porco doméstico, dando origem a um híbrido chamado de javaporco, animal de até 270 quilos,
Eles são animais rústicos e violentos. Andam em bandos e possuem hierarquias. É preciso usar armas calibre 12 para caçá-los — é a única espécie animal que pode ser caçada no Brasil.
Os tiros são capazes de perfurar o couro reforçado da espécie, que também é ágil e, quando ameaçada, desloca-se para áreas mais seguras.
Disseminação criminosa:
Esses animais estão presentes em todas as regiões e biomas brasileiros, segundo um estudo recente publicado pelo veterinário Alexander Biondo, da UFPR, no periódico One Health.
Há ainda outro problema, aponta a pesquisa: indícios de ação intencional e criminosa na disseminação do javaporco, que segue um percurso obedecendo à malha rodoviária.
“Não tenho dúvida da ação criminosa. Ele está ‘saltando’ pedaços de terra para aparecer só onde tem mais caça ou perto das fazendas de caça”.
Alexander Biondo, um dos autores do estudo.
“Como o animal caminha pela terra, seria preciso ter a notificação da existência dele em todos os lugares. Mas isso não acontece, porque eles caçam o macho e prendem. Então, soltam a fêmea em outros lugares e levam filhotes para criar em casa e soltar em outros lugares.”
População só cresce:
A população brasileira de javalis, hoje na casa dos 3 milhões, pode crescer até 150% ao ano, estima Rafael Salerno, engenheiro agrônomo e presidente da Associação Brasileira de Caçadores. O animal foi registrado em 2.010 municípios em 2022 —em 2016, eram 489.
Os dados mais recentes do Ibama mostram que 333 mil javalis foram abatidos entre abril de 2019 e agosto de 2021. O número saltou para 465 mil somente em 2022.
Biondo defende que esse controle seja feito por empresas especializadas, com o uso de armadilhas.
“O javali precisa ser retirado da fauna. Não há nada que compete com ele”, adverte. “Mas caça de final de semana não vai resolver.”.
Caça a javalis é legalizada para controle técnico:
Com a expansão por diversas regiões do Brasil e os riscos à biodiversidade, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou em 2013 o controle da espécie. O objetivo do controle técnico é conter a proliferação do animal.
De acordo com o Ibama, para realizar o controle do javali, é necessário fazer a inscrição no Cadastro Técnico Federal e emitir o respectivo Certificado de Regularidade. Em seguida, deve-se solicitar a autorização de manejo. Caso sejam usadas armas de fogo no abate, elas precisam estar devidamente registradas no Exército.
Javali entre as 100 piores espécies invasoras:
Os javalis (Sus scrofa) pertencem à família Suidae. São porcos selvagens naturais da Europa, norte da África e Ásia que entraram no Brasil há mais de 100 anos. Foram criados para consumo, mas muitos escaparam e cruzaram com porcos domésticos. Surgiu então o javaporco, híbrido maior e mais resistente.
O javali é classificado como uma das 100 piores espécies exóticas invasoras pela União Internacional de Conservação e Natureza (UICN). Isso quer dizer que estão entre as principais ameaças à biodiversidade em nível mundial, dificultando os esforços de preservação dos ecossistemas.
Sem predador natural, o javali se reproduz de forma descontrolada e é considerado praga. Além de destruir plantações, pisoteando ou escavando a terra em busca de alimentos, causa impacto no meio ambiente e traz prejuízos para pequenos agricultores.
Atualmente, há registros desses animais em quinze estados brasileiros, entre eles Minas Gerais e Goiás.
Ricardo Lima / Fonte: Raunner Vinícius – Jornal “O Hoje” – Fabiana Uchinaka – TAB UOL. Redação G1.