Por Ricardo Lima
Neste domingo (21), diversas cidades do país foram palco de manifestações articuladas pela esquerda brasileira. A pauta central, ao menos na teoria, seria o repúdio à chamada “PEC DA BLINDAGEM”, proposta que visa restringir as possibilidades de prisão de parlamentares, tornando mais difícil responsabilizá-los por eventuais crimes. Uma proposta, diga-se, que tem encontrado resistência até entre setores da direita e da população em geral.
No entanto, o que vimos nas ruas fugiu, e muito do foco esperado. O movimento legítimo contra essa PEC, que deveria unir os brasileiros independentemente de suas convicções políticas, acabou sendo usado como pano de fundo para a verdadeira intenção da mobilização: o grito uníssono da esquerda por “SEM ANISTIA”, uma clara alusão às pessoas presas após os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023.
A esquerda, como tem demonstrado ao longo da história recente, sabe mobilizar seus militantes como poucos. A estratégia é conhecida, toma-se um tema que gera consenso social (como é o caso da PEC) e o utiliza como vitrine para pautas mais controversas. Foi exatamente isso o que se viu ontem nas ruas. Pouco se falou da “PEC DA BLINDAGEM”, o que realmente chamou atenção foram os gritos contra qualquer possibilidade de anistia aos envolvidos nos atos do 08 de janeiro, inclusive àquelas pessoas que sequer depredaram patrimônio ou ofereceram resistência, mas que seguem encarceradas há anos e ou meses.
Chama atenção o nível de seletividade e hipocrisia de parte desse discurso. Muitos dos que hoje gritam “SEM ANISTIA” foram justamente beneficiados por anistias no passado, inclusive durante o período da ditadura militar. Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, hoje ícones da esquerda e apoiadores dessa campanha, já foram anistiados pelo Estado brasileiro em um período em que a reconciliação nacional era o objetivo maior.
Curiosamente, essa mesma esquerda que hoje pede o endurecimento total da Justiça contra manifestantes, muitos dos quais senhoras de idade, mães de família, trabalhadores comuns e até moradores de rua, esquece que parte da democracia é também o direito à ampla defesa, ao julgamento justo e à proporcionalidade das penas. Evidente que quem depredou, quem financiou ações criminosas, que responda dentro da lei. Mas a generalização e a prisão indiscriminada são marcas de regimes autoritários, e não de democracias maduras.
Mais uma vez, perdeu-se a chance de fazer um movimento verdadeiramente amplo, democrático e com foco no que realmente importa, impedir que parlamentares fiquem blindados contra a Justiça, como propõe a famigerada “PEC DA BLINDAGEM”. Em vez disso, vimos um espetáculo midiático ideológico, onde a pauta do “SEM ANISTIA” ofuscou completamente a gravidade da PEC que, se aprovada, abrirá um perigoso precedente para a impunidade no país.
É hora de separar o joio do trigo. Defender a justiça e o Estado de Direito é uma obrigação de todos os brasileiros e isso inclui, sim, rejeitar a “PEC DA BLINDAGEM”, mas também reconhecer que o que se viu no 08 de janeiro foi uma manifestação com diferentes perfis e níveis de envolvimento, e que não se pode tratar todos como criminosos de alta periculosidade.
O Brasil precisa de justiça, não de vingança.
Ricardo Lima