O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse nesta sexta-feira (19) estar “profundamente preocupado” com a operação policial realizada em uma sede episcopal na Nicarágua e as recentes ações contra a Igreja Católica e organizações civis no país centro-americano, e exigiu que o regime do ditador Daniel Ortega solte todos os que foram detidos arbitrariamente.
Por meio de um porta-voz, Guterres reiterou o apelo ao governo Ortega para que garanta “a proteção dos direitos humanos de todos os cidadãos, particularmente os direitos universais de reunião pacífica, liberdade de associação, pensamento, consciência e religião”.
“O secretário-geral está profundamente preocupado com a grave obstrução do espaço democrático e cívico na Nicarágua e com as recentes ações contra organizações da sociedade civil, incluindo as da Igreja Católica”, disse o porta-voz Farhan Haq em entrevista coletiva.
Segundo Haq, a operação policial realizada nesta sexta-feira no Palácio Episcopal da Diocese de Matagalpa, no norte da Nicarágua, só agrava estas preocupações.
Policiais forçaram a entrada na sede episcopal e prenderam o bispo Rolando Álvarez, crítico do governo Ortega, e sete de seus colaboradores.
Álvarez, de 55 anos, é acusado pela Polícia Nacional de tentar “organizar grupos violentos”, alegadamente “com o objetivo de desestabilizar o Estado nicaraguense e atacar as autoridades constitucionais”, embora nenhuma evidência tenha sido apresentada até o momento.
A prisão de Álvarez é o mais recente capítulo de uma história de repressão contra líderes católicos nicaraguenses por parte da ditadura sandinista.
Até agora, neste ano, o governo expulsou do país o núncio apostólico Waldemar Stanislaw Sommertag, prendeu três padres, fechou oito emissoras de rádio católicas e retirou três canais católicos da programação da televisão por assinatura. Além disso, invadiu uma paróquia e expulsou 16 freiras missionárias da ordem Madre Teresa de Calcutá.
Em nome do secretário-geral da ONU, Haq pediu novamente nesta sexta-feira “a libertação de todas as pessoas detidas arbitrariamente”.
As Nações Unidas, notadamente através da alta comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, tem denunciado repetidamente a repressão contra a sociedade civil na Nicarágua desde o início da atual crise política no país, em 2018.
Essa crise se aprofundou após as polêmicas eleições de novembro do ano passado, nas quais Ortega foi reeleito para um quinto mandato, também o quarto consecutivo e o segundo tendo como vice a própria esposa, Rosario Murillo, e marcadas pela prisão de seus principais concorrentes em potencial nas urnas.
Quem é Rolando Álvarez, bispo católico símbolo da resistência contra a ditadura na Nicarágua:
Rolando José Álvarez Lagos, 55 anos, já era um símbolo da resistência da Igreja Católica e da sociedade da Nicarágua contra a ditadura sandinista.
Nesta sexta-feira (19), essa simbologia ganhou ainda mais força: após muitas hostilidades por parte do regime do ditador Daniel Ortega, Álvarez e outras sete pessoas foram presos pelas autoridades nicaraguenses na sede episcopal de Matagalpa, no centro-oeste do país.
Ortega considera que bispos e padres apoiaram manifestações que pediram sua saída em 2018, protestos que foram reprimidos com extrema violência, resultando em mais de 300 mortes.
Neste ano, o ritmo da perseguição contra a Igreja aumentou: antes da prisão de Álvarez, o regime sandinista havia expulsado do país o núncio apostólico Waldemar Stanislaw Sommertag, prendido três padres, fechado oito emissoras de rádio católicas, retirado três canais católicos da programação da televisão por assinatura e invadido uma paróquia, de onde foram expulsas 16 freiras missionárias da ordem Madre Teresa de Calcutá.
A irmã mais velha de Álvarez, Vilma, relatou à revista Magazine, do jornal La Prensa, que seu irmão, nascido na capital Manágua, mostrou vocação para o sacerdócio desde cedo: criança, ele reunia a família em casa para celebrar a missa e chamava a si mesmo de padre Miguel.
Ainda de acordo com o relato de Vilma, Álvarez se recusou a cumprir o serviço militar obrigatório da ditadura sandinista na década de 1980. Chegou a ser preso “duas ou três vezes” e a casa da família foi revistada. Para fugir da perseguição, viveu um tempo como refugiado na Guatemala.
Álvarez teve uma namorada e chegou a cogitar casamento, mas o chamado da Igreja foi mais forte: em dezembro de 1994, aos 28 anos, foi ordenado sacerdote na Catedral de Manágua. Em 2011, assumiu a Diocese de Matagalpa.
O bispo entrou na mira da ditadura sandinista em 2018, quando a Igreja tentou intermediar o diálogo entre Ortega e oposicionistas. À época, Álvarez afirmou que não havia “outro caminho” a não ser “a democratização da República da Nicarágua”.
Sua posição como liderança social contra a repressão ganhou força este ano: em maio, Álvarez denunciou a perseguição contra a Igreja e anunciou que faria um jejum por tempo indeterminado em protesto.
No início de agosto, quando o bispo denunciou que havia sido retido na sua cúria por forças policiais sem saber o motivo, juntamente com seis sacerdotes e seis leigos, uma cena emblemática: após policiais impedirem a entrada de paroquianos e dos assistentes de Álvarez na diocese para receber a eucaristia, o monsenhor se ajoelhou na calçada e levantou as mãos para o céu, uma imagem que viralizou nas redes sociais.
Quando o chefe da polícia departamental de Matagalpa, Sergio Gutiérrez, pediu ao bispo para cooperar, Álvarez respondeu: “Quem não coopera é você”.
“A polícia diz que somos nós que causamos tumulto. Mas foram eles que cercaram a rua da cúria, são eles que estão à porta da minha casa e não deixam as pessoas entrar”, declarou.
Nesta sexta-feira, ocorreram a prisão de fato e a transferência para Manágua, sob a acusação de que Álvarez teria tentado “organizar grupos violentos”, alegadamente “com o objetivo de desestabilizar o Estado nicaraguense e atacar as autoridades constitucionais”, sem que nenhuma prova fosse apresentada.
Quando foi retido na cúria, o bispo já havia manifestado que o seu protesto não admitia ódio contra os opressores: ele rezou “também por aqueles que nos mantêm retidos, continuamos pedindo ao Senhor que abençoe suas vidas, seus casamentos, suas famílias, seus empregos, que o Senhor abençoe sua comida, seus passos”.
Porém, também pediu aos fiéis católicos que “mantenham viva a esperança, permaneçam fortes no amor e vivam na liberdade dos filhos de Deus, sabendo que o Senhor cumprirá sua palavra: o Senhor restaurará a Nicarágua”.
Ricardo Lima / Fonte: Agência EFE/Gazeta do Povo