Ao planejar Brasília, o urbanista Lúcio Costa imaginou que uma Esplanada dos Ministérios com 19 prédios seria suficiente. Fazia sentido: à época, o governo federal tinha apenas 15 ministros, incluindo um para a Aeronáutica, um para a Marinha e um para o Exército (então chamado Ministério da Guerra). De lá para cá, o Brasil passou a ter um número de ministérios muito maior. Falta espaço na Esplanada. E vai faltar mais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá 37 ministérios. A lista das pastas criadas (ou recriadas) inclui os ministérios dos Portos, dos Povos Originários e da Igualdade Racial.
O Brasil está acima da média global nesse quesito. O país tem mais ministérios que países com nível de desenvolvimento similar, como Argentina (18), Colômbia (18), México (20), África do Sul (27) e até a Venezuela (33), presidida pelo excêntrico ditador Nicolas Maduro. Na verdade, os 37 ministros de Lula colocam o Brasil em primeiro lugar nesse quesito na América Latina. A comparação com países desenvolvidos é ainda mais desfavorável: Lula terá muito mais ministros que os líderes de Estados Unidos (15), Itália(15), França (16), Alemanha (16) e Reino Unido (21).
Lula, entretanto, ainda não alcançou o recorde estabelecido por Dilma Rousseff: em maio de 2013, ao criar o Ministério da Micro e Pequena Empresa, ela passou a ter um governo com 39 ministros. Em 2015, já pressionada pelos protestos que pediam o seu impeachment e tentando criar uma agenda positiva, a presidente fez uma reforma e eliminou oito pastas.
Custo não é o maior problema:
De forma geral, existem dois argumentos contra o número excessivo de ministérios no Brasil. O primeiro é o de que isso necessariamente gera aumento de custos. Cada ministério precisa de uma estrutura mínima que envolve funcionários, um espaço físico e insumos (computadores, carros, cadeiras etc). O próprio salário do ministro, por lei, é superior ao do chefe de uma secretaria, por exemplo. O segundo argumento é o de que o alto número de ministérios torna o governo burocrático em excesso e reduz a eficiência da gestão.
Segundo especialistas, o segundo problema é mais importante que o primeiro.
É razoável supor que mais ministérios implicam mais gasto público. Mas a relação pode não ser linear. Em tese, é possível desmembrar ministérios sem que isso gere um impacto financeiro visível. Da mesma forma, rebaixar um ministério ao status de secretaria, como fez o governo Bolsonaro em diversos casos, não necessariamente reduz os gastos. Se o número de funcionários for o mesmo, provavelmente a estrutura física necessária será idêntica e, assim, a redução de custos causada pela troca de status será próxima de zero. Obviamente, o governo pode cortar o orçamento das pastas por outros motivos (por exemplo, ao reduzir os valores previstos para investimentos). Mas a mudança de categoria não garante a redução de custos.
Redução na eficiência:
Já o problema de gestão pode ser ter um impacto mais significativo. A comunicação entre os diferentes órgãos se torna mais lenta do que se eles estivessem sob o mesmo guarda-chuva, no mesmo prédio. As reuniões ministeriais passam a ser mais longas e menos produtivas. Impasses tornam-se mais prováveis, especialmente quando não há uma delimitação clara das atribuições de cada um.
Por exemplo: um governo que tenha ministérios distintos para a Agricultura e a Pesca terá mais dificuldades em colocar de pé um programa que deseje promover a instalação de tanques de criação de peixes em pequenas propriedades rurais. O Ministério da Agricultura, mais antigo, já tem a capilaridade para atingir a população alvo do programa. Mas, por se tratar de um projeto de aquicultura, o programa provavelmente ficaria sob o comando do Ministério da Pesca. Assim, ou a pasta com menos recursos (a da Pesca) pede o apoio da mais rica (a da Agricultura), ou o Ministério da Pesca teria de criar uma estrutura que, em grande medida, já existe no Ministério da Agricultura. De uma forma ou de outra, o resultado não é o mais eficiente.
Demandas sociais x alianças políticas:
Segundo estudiosos do tema, o número elevado de ministérios que o Brasil terá no governo Lula pode ser explicado por dois fatores. Um é a pressão de grupos articulados (no caso do governo petista, por exemplo, militantes da causa negra terão uma pasta específica). O outro é a necessidade de garantir apoio no Congresso usando os cargos no Executivo como moeda de troca.
“Em alguns casos existe um aspecto político e simbólico. Já outros ministérios servem para atender às pressões políticas do presidencialismo de coalizão”, diz Ivan Ckagnazaroff, professor de Economia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Lula tem feito isto ao entregar cargos a representantes de partidos como MDB e PSD.
Além dos partidos políticos aliados, existe a pressão dos próprios correligionários por cargos que possam lhe render dividendos políticos. Talvez isso explique porque, apesar de sua disposição em fazer um governo mais austero economicamente, Jair Bolsonaro também não conseguiu implementar o que prometeu neste campo. Durante a campanha de 2018, ele afirmou que sua gestão teria “no máximo” 15 ministérios. Depois de receber um governo com 29 ministérios de Michel Temer, ele iniciou o seu mandato com 22. Encerrou com 23 (Bolsonaro recriou a pasta das Comunicações).
Critério de desempenho deve ser transparente:
Criar ministérios é um sinal ao eleitorado de que o governo se preocupa com alguns temas em particular e vai tratá-los como prioritários. Em grande parte, a criação de pastas carrega um componente eleitoral. Mas, além dos eleitores, os sinais também podem ser importantes para o mercado financeiro, por exemplo. Um governo que tem quase 40 ministérios passa o recado de que a eficiência administrativa não é sua prioridade. Um presidente liberal, por outro lado, tende a reduzir esse número, mesmo que o impacto financeiro seja reduzido.
Economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni afirma que apenas com parâmetros de desempenhos objetivos, como no setor privado, é possível medir quantos ministérios são necessários. Isso não existe hoje.
“O Brasil poderia começar a apresentar resultado de produtividade por ministério para que pudéssemos avaliar esta questão de uma forma melhor. Nós podemos até chegar à conclusão de que se pode ter 40 ministérios, desde que eles apresentem resultado”, diz ela, que exemplifica: “Primeiro, o governo definiria qual é a meta de cada ministério para o ano. Ao final, o governo apresentaria o percentual da meta que foi atingido”, afirma.
Lentidão na tomada de decisões:
O professor Ivan Ckagnazaroff concorda que a criação de ministérios muitas vezes significa a reorganização de estruturas que já existiam anteriormente, sem um salto nos gastos. “Se você vai observar as áreas para as quais os ministérios foram criados, bem ou mal todas elas já existiam – a única que salta aos olhos é a voltada para os Povos Indígenas”, afirma, em referência ao novo governo Lula.
Por outro lado, o professor alerta que, sem uma divisão clara das atribuições, o resultado é a ineficiência do Executivo. “A criação desses ministérios vai demandar uma definição clara de qual é a responsabilidade de cada um e de quais recursos eles vão ter para atuar. Sem isso, a eficiência vai ser extremamente afetada”, ele afirma.
O professor acrescenta que, mesmo que não haja um aumento significativo nos gastos, o tamanho da máquina em si já pode reduzir a agilidade do governo para lidar com as demandas que surgirem. “O tamanho pode tornar os processos decisórios um pouco mais lentos, à medida que algumas decisões, especialmente as mais conflitivas, vão passar pelo presidente – segundo ele mesmo disse”, afirma.
De uma forma ou de outra, o número de ministérios no Brasil não deve se aproximar tão cedo dos 19 planejados por Lúcio Costa. A última vez que isto aconteceu foi há três décadas, no governo Fernando Collor.
Ricardo Lima / Fonte: Gabriel de Arruda/Gazeta do Povo.